Valorização de rejeitos: problemas ambientais podem revelar novas fontes de recursos
Resíduos são aquilo que sobra e não se aproveita de uma atividade cuja eficiência não é total, ou seja, qualquer atividade do mundo real. O Relatório Brundtland de 1987, intitulado “Nosso Futuro Comum”, define os resíduos como “materiais sólidos, líquidos e gasosos, e energia que são descartados, descarregados ou emitidos por estabelecimentos e residências através de processos de produção, consumo ou acumulação”.
A geração de resíduos teve um aumento expressivo no século 19 devido à revolução industrial, o que permitiu a produção mecanizada de materiais e o escalonamento de sua fabricação. Desde então continua crescendo com a demanda de bens e serviços da também crescente população mundial. Apesar disso, é importante salientar que não são somente as atividades de manufatura e transformação em larga escala que contribuem com a geração de rejeitos. A maioria das atividades humanas em geral acaba por gerar algum tipo de resíduo, até aquelas mais simples e cotidianas como comer, se locomover, ou mesmo respirar.
O reaproveitamento de resíduos é uma atividade alinhada aos princípios da sustentabilidade, cujos fundamentos conciliam as boas práticas ambientais, sociais e econômicas. Ao reutilizar um rejeito temos a direta redução do despejo da carga poluente e da degradação sobre o meio, soma-se a isso a constituição de valor ao material, e se oportuniza melhorias à sociedade, seja por criar meios de renda ou mesmo pela melhora na qualidade de vida.
Os desafios de se dar novo uso a um rejeito são muitos, mas alguns dos primeiros passos envolvem definir e conhecer as fontes de geração e as diversas características dos resíduos, como composição, periculosidade, toxicidade e inflamabilidade, por exemplo. A avaliação da fonte geradora permite estabelecer meios de diminuir a formação ou tratar previamente o rejeito como forma de reduzir os impactos ambientais. Por outro lado, a identificação das características dos resíduos auxilia no levantamento das possibilidades técnicas a serem aplicadas no reaproveitamento do material, o que normalmente envolve um processo criativo e de inovação. Tais análises são necessárias porque na grande maioria das vezes os resíduos de manufatura e transformação são heterogêneos, ou seja, são compostos por muitos diferentes elementos; e não somente isso, a composição pode variar conforme o tempo e local de coleta.
Oportunidades e perspectivas
O Instituto Senai de Tecnologia em Meio Ambiente e Química do Senai Paraná vem desenvolvendo processos e produtos que permitem não somente diminuir o impacto ambiental causado por resíduos industriais, mas também obter subprodutos de interesse comercial que geram nova receita às empresas.
Um dos projetos em andamento visa estabelecer um processo de digestão de resíduos não perigosos e não inertes (Classe II A) de curtume para a produção de adubo orgânico. Este é um trabalho realizado em conjunto com o Instituto Senai de Tecnologia em Celulose e Papel, que investiga a produção do biogás gerado no processo de degradação do material. O biogás é uma mistura gasosa que tem o metano como principal componente. Este subproduto constitui uma fonte de energia alternativa renovável, pois pode ser convertido em energia elétrica, ser utilizado em sistemas de aquecimento e como biocombustível para movimentação de frota, podendo substituir o diesel e gás GLP.
No caso de agroindústrias é característica a geração de grandes quantidades de resíduos biológicos, materiais provenientes do processamento animal e vegetal. Estes materiais podem ser convertidos em diversos subprodutos, como fertilizantes, produtos para alimentação animal, material para artesanato e utensílios, biogás, obtenção de substâncias minoritários, entre outros. Em parceria com uma indústria do abate de animais, o Instituto está criando uma proposta para extração de colesterol de óleo animal, produzido a partir do processamento de resíduos do abate. O processo de extração preconiza a utilização de materiais que não agridem o meio ambiente, em alinhamento com os princípios da química verde.
Outro problema encontrado numa agroindústria parceira – desta vez de cereais - foi a ocorrência de cristalização de um material mineral em tubulações do sistema de tratamento de águas residuárias. A solução encontrada visa não somente separar estes minerais, mas também avaliar o seu reaproveitamento como matéria-prima da indústria de fertilizantes, haja vista ser uma importante fonte de fósforo. Assim, estes insumos podem retornar à cadeia da própria cooperativa por meio da aplicação no campo ou mesmo serem vendidos para clientes do agronegócio.
Já no setor da indústria química existem trabalhos avançando no sentido da utilização de ácido sulfúrico reciclado e rochas sedimentares para a produção de um fertilizante. Com o alcance deste objetivo será possível dar uma melhor destinação para o ácido, que normalmente é apenas descartado pela indústria e, durante esse processo, podendo causar acidentes aos colaboradores, contaminações no solo e água, além de gastos com outros insumos químicos para neutralização do resíduo.
Estas são apenas algumas das soluções propostas pelo IST Meio Ambiente e Química para o aproveitamento de resíduos, mas já é possível reconhecer que o campo é vasto e há muito a ser explorado. Avaliar criteriosamente cada caso é uma tarefa determinante quanto à viabilidade ou não de um material ser passível de ser reaproveitado. É preciso reconhecer que a geração de resíduos existe e que custa ao bolso e ao meio ambiente, mas mais importante ainda é saber que hoje existem soluções criativas e tecnológicas. E se você identifica este problema na sua atividade, já pensou nos benefícios de tornar seu inimigo ambiental em um aliado comercial?
Por João Luiz Andreotti Dagostin, analista de PDI, e Mauricio Jober da Silva, analista técnico do Instituto Senai de Tecnologia em Meio Ambiente e Química